Uma maioria absoluta saída das legislativas de 2009 seria aconselhável num ano em que se agudizará a crise económica ou há outro caminho para alcançar a estabilidade política em Portugal?
Já tivemos maiorias, uma absoluta e outra quase absoluta, a que estava apenas dependente de uma fatia de queijo, e ambas, de vitória em vitória, chegaram a uma derrota final a que deram o nome de “tabu”, ou de “pântano”. O problema é menos de aritmética, isto é, de soma contabiliística de forças eleitorais e mais de geometria qualitativa quanto ao redesenho da mobilização pelo bem comum. Por outras palavras, não é pelo facto de se reforçar o poder que uma maioria parlamentar dá a um governo, pelas ordens dos directórios partidários, que se consegue a necessária autoridade que gera a obediência pelo consentimento. Basta notar no discurso do Presidente da República do dia 29 de Dezembro, onde o primeiro órgão político eleito por sufrágio universal, insurgindo-se directamente contra o parlamento, também eleito pela mesma forma, o acusou de dependente de interesses partidários, inaugurando-se uma nova época de conflito institucional, depois da coexistência coabitante, a que podemos chamar de presidencialismo contra a partidocracia.
Na sua opinião, vê como provável o estabelecimento de alianças partidárias para chegar ou reforçar o poder? Quais são para si as mais plausíveis e/ou desejáveis?
Se Sócrates correr sozinho para a repetição da maioria absoluta, isto é, caso não desista de se assumir como candidato do PS a Primeiro-Ministro, isso significa que os respectivos estudos sondajocráticos lhe permitem estar à beira de conseguir repetir o feito das anteriores eleições. Nesta hipótese, tanto o PSD como o PCP não serão adeptos de qualquer tipo de aliança pré-eleitoral, apenas tendo esperança que os acasos da crise e os discursos presidenciais lhes dêem a prenda de uma maioria relativa e do consequente jogo partidocrático das alianças pós-eleitorais, algumas delas contra-natura. A não ser que o presidente volte aos governos das sua iniciativa, repetindo Eanes, mas sem a refundação do regime à maneira de De Gaulle. O que poderia acontecer se a crise nos forçasse a um bloco central à alemã, tipo aliança sagrada da nossa I República.
A crise financeira e económica a fazer a economia entrar em provável recessão já no início do próximo ano vai ter reflexos no voto dos portugueses? Que resultados estima que esta tenha nas intenções de voto?
Julgo que o situacionismo governamental, caso a crise não se agrave, vai procurar manter, até às eleições, no essencial o nível da bolsa do cidadão, porque, de outro modo, a respectiva vida estaria ameaçada. Nem que seja pelo anúncio de um aumento das expectativas do sonhar é fácil, tipo elogio da baixa europeia das taxas de juros ou do anúncio de um empréstimo extraordinário para funcionários públicos de montante equivalente ao cheque- prenda que os ministros deram a Sócrates para este comprar roupa numa dessas lojas finas que iludem a nossa sociedade de casino. Por outras palavras, a crise pode não ser suficientemente forte para que o português comum afaste Sócrates. Basta recordar que, depois da Grande Depressão, o New Deal de Roosevelt apenas chegou cerca de um lustro depois, enquanto nós mantínhamos o gesso da ditadura das finanças salazarista que, como dizia Agostinho da Silva, nos entalou a perna em gesso durante quarenta e oito anos, apesar de ele tar ficado sã cinco anos depois...
Como é que os portugueses irão encarar os actos eleitorais do próximo ano: haverá entusiasmo ou a abstenção é uma ameaça cada vez maior?
Tenho dito que o sistema político português, envelhecido e fechado na concha da partidocracia, já não se reduz ao confronto dos situacionistas, com os seus apoios, e dos oposicionistas, com as suas reivindicações. O principal “input” começa a ser o indiferentismo, que é bem pior do que a mera medição do abstencionismo, dado que se aproxima do gesto do “zé povinho”. Só que os governos lusitanos, principalmente em rotativismo, têm sabido durar em decadências sistémicas que às vezes duram mais de uma década. Veja-se, por exemplo, o que sucedeu à monarquia liberal, onde, depois do “Ultimatum” que a dessangrou, ainda durou duas décadas.
A marcação das datas das eleições legislativas e autárquicas (o PS prefere primeiro as legislativas e só depois as autárquicas, onde o PSD é tradicionalmente mais forte e por isso quererá aproximá-las o mais possível, fazendo-as coincidir, se possível) pode condicionar os resultados e a dinâmica das campanhas?
No âmbito da política de cenários, tipo análises de Marcelo, Vitorino e Júdice, esse é o latim com que se delicia a partidocracia, para que continue o mais do mesmo...
Como perspectiva a acção dos partidos da oposição no próximo ano? Acha que em 2009 conseguirão diminuir a vantagem face ao PS de José Sócrates?
Infelizmente, vão repetir as metodologias anteriores, elaborando cenários e consultando sondagens, porque acreditam que não haverá suficiente dramtismo para a deriva messiânica.
Nas últimas semanas, as oposições internas têm-se notado com mais força, em especial no PS, no PSD e no CDS-PP. Isto justifica-se apenas pela proximidade dos actos eleitorais? Pode ter alguma influência nos escrutínios do próximo ano?
Todos os opositores internos dos partidos da oposição, ao proclamarem a inviabilidade das respectivas lideranças estão a cair na armadilha que lhes lançou o situacionismo, cuja sondajocracia parece favorável a Sócrates que assim corre o risco de se confundir com o regime, só porque o sistema que ele controla o asfixia.
Se puder indicar também no email de resposta quais as três oportunidades e as três ameaças que detecta a nível político para 2009, agradeço.
Ameaças:
-Conflito institucional entre os órgãos políticos de soberania, com a culpa a morrer solteira.
-Manutenção da vaca sagrada do actual modelo constitucional de administração da justiça em nome do povo, com a separação das magistraturas e a elefantíase legislativa.
-Impotência no combate à corrupção.
Oportunidades:
-O Presidente da República, em diálogo directo com o eleitorado, asumir-se como o indisciplinador do sistema que está a asfixiar o regime democrático.
-Reforço de um liberalismo não dependente do negocismo e da corrupção, isto é, livre da casta bancoburocrática que gosta da nacionalização dos prejuízos e da privatização dos lucros.
-Restauração de um capitalismo global assente em regulações morais que permitam a justiça e a concorrência da igualdade de oportunidades.