Registo de algumas análises, farpas e aforismos no Facebook de José Adelino Maltez

30
Jan 09

Os poderes enlouquecem e os que ficamà solta enlouquecem absolutamente

 

José Adelino Maltez

 

Pedem-me, deste querido jornal, que disserte sobre o caso que é um dos sintomas da maior crise da democracia portuguesa desde 1974. É começo da noite de sexta-feira, não estou informado sobre o que vai sair nos semanários de fim de semana e não tenho dados mínimos para fazer uma espécie de avaliação psico-socrática. Mas quero não confundir sintomas com causas, ou folhas de árvore com a floresta. Vamos ao fundo da questão e tentemos libertar-nos desta pressão que quase nos condena a tomar partido numa questão transversal, que não passa pelo confronto entre a direita e a esquerda, ou entre situacionistas e oposicionistas, apesar dos muitos incendiários e dos irmãos-inimigos, lançadores de corta-fogos, tentarem tapar o sol com a peneira da respectiva literatura de ódio, ou de justificação do poder.

Do Freeport, apenas apetece voltar a glosar Cícero: nem tudo o que é lícito é moralmente recomendável ou politicamente exemplar. Porque um quarto de hora antes de morrerem, os governos de gestão não devem pisar tanto as fronteiras do ilícito como as do politicamente reprovável, ou do moralmente execrável, em termos cívicos. Até porque, sobre este ponto, não são os magistrados que os podem absolver em termos políticos ou morais.

 

A própria prudência deve aconselhar os futuros ministros em gestão para que mais despachem os maiores "outlets" e "casinos" da Europa em tempo de vésperas. Porque, depois, ficam todos enlameados, mesmo que não tenham pessoalmente rabos de palha. Valia mais que os grupos de pressão e os grupos de interesse fossem legalizados e actuassem à luz do dia, como nos Estados Unidos ou no Parlamento Europeu. Valia mais que os promotores doFreeport ou os Casinos de Stanley Ho pudessem ter contratado lóbis registados, em vez de servirem de pretexto para a nossa Dona Maria da Cunha da endogamia e da sociedade matriarcal, plena de tios e sobrinhos, cunhados e genros, onde o que parece acaba por enredar alguns que não devem ter nada a ver com as trapalhadas. E quem atirar pedrados aos telhados de vidro do vizinho ou adversário pode chegar a casa e achar as suas vidraças totalmente quebradas, mesmo que recorra a pareceres ou perlengas dos mesmos ilustres administrativistas.

 

O poder dos polícias e dos magistrados não pode correr o risco confundir-se com as parangonas jornalísticas, pelo que nos resta ter esperança no sentido de missão dos nossos magistrados e dos nossos polícias. Porque uma das tentações do poder situacionista poderá ser a de consultar as sondagens e de confirmar aquilo que intuitivamente é perceptível:  a existência de uma maioria sociológica incomodada que não quer acreditar que o primeiro-ministro de Portugal possa estar envolvido naquilo que são as alegadas suspeitas que as polícias têm de descodificar, nesse terreno da amplo da investigação que vai da cabala a uma eventual processualização.

 

Outra das tentações socráticas, poderá ser a de denunciar  a eventual rede de agências clandestinas de informação e contra-informação, interessadas na confusão, para a salvaguarda ou restauração de certos poderes fácticos. A serenidade do PSD, do PP e do PCP tem dado espaço para que os poderes institucionalizados driblem a ofensiva. E mesmo que se confirme a teoria da conspiração, seria pior emenda do que o soneto atirarmos as culpas para o parco jornalismo investigação que esteve na base da fuga de informação para a opinião pública.

 

A saída policial ou judiciária para a crise será sempre lenta e garantística, porque estas são as regras do jogo que nos escolheram. Só uma saída moral regeneradora poderia refazer a destruição pouco criadora a que assistimos. Por mim, quase tudo passa por um acordo global dos partidos do Bloco Central, se estes se mostrarem dispostos à liquidação da mentalidade de Bloco Central de interesses em que assentam. E PS e PSD deveriam também pedir aos outros partidos parlamentares para que, em colaboração com Belém, se estabelecesse um novo contrato social que mostrasse ao povo como o sistema está pronto a defender o regime, num combate frontal às causas que levam à corrupção e ao consequente indiferentismo. Parafraseando Alain, sempre direi que todos os poderes, governamentais e oposicionistas, enlouquecem , tal como os poderes absolutos, isto é, à solta, sem sentido da responsabilidade, podem enlouquecer absolutamente. Tenhamos juízo!

publicado por José Adelino Maltez às 22:55

26
Jan 09

Na sua opinião, qual a dimensão política que este pode ter, sobretudo tem em visto que estamos apenas no início do ano eleitoral?

Pouco a pouco, os sinais de verdade começam a aparecer à superfície desta tempestade, não tanto num copo de água, mas sobre a água gaseificada de pantanosos tabus, plenos de trapalhadas. Sobre o caso que nos encharca, por mim, com os dados disponíveis, não quero confundir a folha de árvore com a floresta, tentando não alinhar na onda da moda e, se tenho a convicção que Sócrates, no plano pessoal, não beneficiou directa ou indirectamente com nada, mantenho o meu juízo de cidadão sobre a presente governação: continuo a considerá-la tão negativa quanto aquela que a antecedeu. Por outras palavras, as agências de propagandismo governamentalistas e as contras-agências de bota abaixo apenas nos ajudam a afundar, quando precisávamos de uma rota para um qualquer porto-seguro e não de uma qualquer ilha da utopia.

 

 

Os partidos políticos (com excepção do BE, que já pediu “explicações políticas” ao PM) têm evitado pronunciar-se e “aproveitar” politicamente as suspeitas que envolvem José Sócrates neste caso. Por que é que isto acontece, em contraponto com “aproveitamentos políticos” no passado com outros casos?

É evidente que o PS, que comandou o situacionismo em dez dos últimos treze anos, é tão responsável quanto o PSD, o do cavaquismo, de quem recebemos a pesada herança de uma oportunidade perdida que também durou cerca de uma década. Isto é, PS e PSD, mesmo que se vistam e revistam de canhotos ou endireitas, não conseguiram livrar-se do cinzentismo bonzo das respectivas teias clientelares e nepotistas, bem como da consequente ditadura da incompetência, dado que não praticaram a meritocracia.

 

Quase um quarto de século de bloco central de interesses é tempo demais e quem tem culpa é o povão que acaba por escolher os governos que assim merecemos. Mesmo assim, torna-se urgente a mudança, no sentido de um novo contrato social que, mantendo o regime, remeta este situacionismo partidocrático para os tempos daquilo que chamávamos a outra senhora. Por mim, sem acreditar em falsos providencialismos, incluindo a pretensa república de polícias e magistrados, ou em pretensas ideologias salvíficas, resta-me pedir uma coisa bem mais simples.

 

As lideranças partidocráticas que temos deveriam pedir ao presidente da república um programa mínimo de regeneração políticas, social e moral do Portugal que resta, para que possamos, em consenso, lutar contra o indiferentismo e a corrupção, que estão a minar a democracia e a confiança pública. É imprescindível que a comunidade, ou república, volte a penetrar pelo civismo nas cúpulas capitaleiras dos aparelhos de poder do estado a que chegámos.

 

Na hipótese provável de o processo na Justiça se arrastar até às eleições, o desgaste mediático do chefe de governo pode acentuar-se. Em caso de antecipação das legislativas, este efeito negativo pode ser atenuado?

Se continuarmos a lavar as mãos como Pilatos ou carpideiras hipócritas, tecendo loas à licitude formal do Estado de Legalidade, tanto o direito como a políticas perderão o norte, tal como a democracia pode perder o povo, para que a partidocracia continue a apodrecer pelo estadão. Por mim, não quero um Estado sem coisa pública, sem república, ou comunidade e, muito menos, uma democracia usurpada, longe do povo e, eventualmente, contra o povo.

 

Como é que o eleitorado reage normalmente a estes casos na Justiça envolvendo políticos, tende a castigá-los ou a entender estes casos como uma “cabala”? Por exemplo, a nível local, Isaltino Morais ou Fátima Felgueiras conseguiram a eleição estando envolvidos em casos com contornos mais esclarecidos...

Ai de nós se o caso Freeport tivesse, para Sócrates, a dimensão de responsabilidade dos casos que cita... Seria o fim do regime, decretado pela cooperação judiciária europeia. Não comparo os dados, mas comparo o mesmo subsolo de um sistema que está a amarfanhar o regime, onde, à maneira de Guizot, conforme a descrição de Victor Hugo, há incorruptíveis que gerem corruptos. E até acrescento, há desonestos que recrutam ajudantes honestos, para que a confusão faça com que o justo pague pelo pecador.

 

O Presidente da República deve manter-se à margem do caso e da informação que vai saindo na imprensa, sem reagir?

Ele não pode ser o justiceiro inconsequente, mas a respectiva actuação de poder moderador deveria ser solicitada pelos principais partidos portugueses, para que todos eles não sejam, todos eles, os coveiros do regime. Deveríamos virar de página e impedir que gente honesta que há, maioritariamente, na governança e na oposição, possa servir a república, sem pisar terreno lodoso...

 

publicado por José Adelino Maltez às 23:04

20
Jan 09


1 — Como avalia actualmente as elites — política, económica e social — que temos em Portugal?

 A expressão elite tanto pode ter uma conotação neutra, enquanto indivíduos ou grupos que ocupam as mais altas posições numa hierarquia social estratificada, como um sentido pejorativo, quando, com ela, quer significar-se um pequeno grupo de pessoas com um desproporcionado poder de influência sobre as decisões finais de um determinado grupo. Pode até ter um sentido positivo, quando com a expressão se entende um grupo de pessoas que possui melhores condições para o exercício de determinadas funções, nomeadamente pela educação recebida ou pelas capacidades demonstradas.

 

Neste último entendimento, a expressão tem a conotação de aristocracia, como o governo dos melhores, equivalendo à meritocracia e não ofendendo o princípio da igualdade, se existirem efectivas condições para o estabelecimento da igualdade de oportunidades.

 

Em Portugal, hoje, apenas temos, a nível da classe política, elites em sentido etimológico, isto é, apenas temos eleitos, não segundo a meritocracia que continuamos a não ter em sentido aristocrático, mas antes de acordo com outras degenerescências da procura dos melhores, dado que acaba por dominar a plutocracia.

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2 — Há quem atribua ao falhanço do País ao falhanço das elites. No fundo qual a responsabilidade das elites no falhanço das políticas do País?

Somos um laboratório que confirma Gaetano Mosca, que em Elementi di Scienza Politica, de 1896, elabora a sua conhecida teoria da classe política, salientando que tal como o poder político produziu a riqueza, assim a riqueza produz o poder, destacando a importância da força da inércia, essa tendência para se permanecer no ponto ou no estado em que nos enciontramos. Entende, assim que o Estado de Direito foi precedido pelo Estado de Facto. Observa também que nas sociedades primitivas a qualidade que mais facilmente abre acesso à classe política ou dirigente é o valor militar... os mais bravos tornam‑se chefes. Tal facto tanto pode derivar de uma situação de conquista, como da passagem do estado venatório para o estado agrícola onde há duas classes, uma consagrada exclusivamente ao trabalho agrícola e outra à guerra.

 

Além da riqueza e do valor guerreiro, Mosca assinala outras formas de influência social: notoriedade, grande cultura, conhecimentos especializados, graus elevados nas hierarquias eclesiásticas, administrativas e militares, a aristocracia  sacerdotal e burocrática e castas herditárias. Refere também que todas as classes políticas têm tendência para se tornarem de facto, senão de direito, hereditárias. Cita a propósito Mirabeau o qual considerava que para qualquer homem uma grande elevação na escala social produz uma crise que cura os males que tem e lhe cria outros que inicialmente não tinha.

 

Aliás, continuamos a considerar, como Mosca que, para evitarmos que a aristocracia degenere em oligarquia, importa apenas a intervenção do regulador estadual. Foi com base nestas teses que o próprio Mosca chegou a aderir ao fascismo, mas sem grandes convicções ideológicas quanto ao carácter messiânico da doutrina. Salienta mesmo que as sociedades não são dirigidas por classes sociais, mas por elites: as sociedades humanas não podem viver sem uma hierarquia. Acrescenta, contudo, que as hierarquias são dinâmicas: a história das sociedades humanas é, em grande parte, a história da sucessão das hierarquias. Desta forma elabora a chamada teoria da circulação das elites que influencia a tese de Evola sobre a degeneração das castas.

 

Para mim, continua a ser mais actual o nosso Oliveira Martins, o Joaquim Pedro, para quem com a monarquia liberal, surgiu uma classe separada, a família dos políticos. A família dos políticos, que entre si jogam a sorte do país, como os soldados jogavam a túnica de Cristo. E essa família dos políticos é o apanágio indispensável do sistema constitucional em todos os países como o nosso, atrasados, pobres e fracos. A política é um modo de vida de alguns; não é uma parcela da vida de todos... No seio do constitucionalismo via-se exactamente o mesmo que a Idade Média, com o seu feudalismo, apresentara. A sociedade dividida em bandos rivais e inimigos unidos em volta de um chefe, existia à mercê dos pactos, alianças e rivalidades dos barões. Contra o feliz, vencedor temporário, eram todos aliados, para se formarem combinações novas, assim que o ramo da vitória passasse a mãos diversas Nos séculos passados, contudo, não havia as mais das vezes por motivo declarado senão a ambição pessoal, ainda que não fosse raro ver-se, como agora, servirem "princípios" de capa aos despeitos e interesses. Nos séculos passados, os debates eram campanhas, e agora pretendia-se que fossem comícios e discussões e votos; mas como isso não bastava muitas vezes, logo se apelava para a "ultima ratio", a revolta

 

3 — É reconhecido o crescimento da insatisfação dos cidadãos face ao poder político. Contudo, em vez de propor soluções para evitar o agravamento das situações, a sociedade civil prefere, antes, enfiar a cabeça na areia. A Democracia participativa é apenas e só desenvolvida pelas elites?

 

 O dualismo elite-massas das teses de Pareto assenta nos conceitos de resíduos e derivações. Os resíduos são sentimentos persistentes dentro do comportamento social. São sentimentos, crenças e instintos que os racionalizam, como o instinto de combinações, a persistência dos agregados, a expressão dos sentimentos, a disciplina colectiva, a defesa individual, e os resíduos sexuais. As derivações são as ideias desenvolvidas para se justificarem os comportamentos sociais, os meios pelos quais as acções dos homens são explicadas e racionalizadas. Nos resíduos, há, por um lado combinações, a mistura de símbolos antigos ou sentimentos tradicionais com usos modernos (v. g. as cores verdes e vermelhas dos semáforos) e, por outro, agregações persistentes, os resíduos em estado puro, sem qualquer combinação. As elites correspondem, em geral, a combinações. As massas, a agregações persistentes. Nestes termos, considera que as ideias, os valores e as convicções só aparentemente comandam a conduta humana, dado que a mesma depende desses impulsos fundamentais.

 

 

4 — Qual a importância das elites no desenvolvimento económico, social e político do País?

 

Em Portugal, onde muitos dos discursos sobre a necessidade das elites continua a ser cantarolado por velhos, novos e pós-fascistas, poucos lêem um Bachrach outros defensores da teoria elitista da democracia, segundo a qual a autodeterminação popular foi substituída pela competição entre elites, restando aos eleitores a escolha entre uma delas. Infelizmente, continua a falatar-nos um sistema aberto, impedindo que as elites convertam o seu poder em hereditário e admitindo o acesso ao sistema de novos grupos. Porque as elites estão dessiminadas por vários sectores (política, economia, educação, ciência, etc.), não conseguindo criar entre elas uma aliança unificada que evite esta fragmentação.

 

De certa maneira, voltámos à doença clássica da oligarquia que, citando Platão, é o governo das famílias ricas; a potencial guerra civil com os pobres, “a cidade enferma em luta consigo mesmo; é uma forma de governo, onde o censo decide sobre a condição de cada cidadão; onde os ricos, por consequência, exercem o poder sem que os pobres nele participem”.

 

 

 

 

5 — Vasco Pulido Valente dizia, há uns tempos, a propósito da crise económica que vivemos, que as elites estão, também elas, em depressão. Concorda?

                                                           

Concordo. As pretensas elites que, como tal se assumem, deixaram de ser dos homens livres e passaram a ser instrumento da oligarquia e da plutocracia, fugindo à missão de servir o povo. Basta assinalarmos que a pior das corrupções que nos enreda é, precisamente, a dos pretensos intelectuais...

 

publicado por José Adelino Maltez às 23:13

08
Jan 09

Como olha para a forma como a Maçonaria, em Portugal, exerce a sua influência nos meios políticos?

Em Portugal, a maçonaria teve profunda influência na construção do regime demoliberal da monarquia constitucional e da I República e ainda foi uma alavanca fundamental das parcelas das forças armadas não salazarista do 28 de Maio. A partir de 1935 foi legalmente extinta e efectivamente perseguida, retomando a sua actividade não clandestina depois de 1974, a partir de cerca de uma centena de irmãos que semearam a continuidade da tradição da ordem. A regeneração da tradição demoliberal, a que a Maçonaria está profundamente ligada não permitiu que a instituição clássica representada no Grande Oriente Lusitano e as novas obediências instituídas, sobretudo na década de noventa do século XX, pudessem ter influência moral equivalente ao que sempre sucedeu em regimes como os do Brasil, dos Estados Unidos da América, da França ou do Reino Unido, cujas democracias são efectivas co-criações maçónicas. Contudo, o processo de adaptação ao pós-autoritarismo das maçonarias portuguesas foi mais expansivo do que noutros países da Europa como na Alemanha e em Espanha. 

 

 

Essa influência é, na sua opinião, clara ou, por seu turno, é muito pouco transparente?

O processo só pode ser visto como não transparente por quem não conhece o fenómeno democrático e as tradições de luta contra o fanatismo, a ignorância e a intolerância. Infelizmente, em Portugal, ainda permanece um subsolo de incompreensão face a uma ordem a que pertenceram pessoas como Kant, D. Pedro IV, Churchill ou Jean Monnet, de liberais a socialistas, de conservadores a destacadas figuras eclesiásticas. Bastava aliás notar que a última intervenção pública de Fernando Pessoa, nas vésperas da morte foi a defesa da não extinção da maçonaria contra os ditames da primeira lei do Estado Novo, desencadeada por um conhecido defensor da restauração da pena de morte que, em 1867, fora abolida depois de uma campanha e do empenhamento de maçons portugueses que, no mesmo dia, também lançavam o primeiro Código Civil, o do maçon António Luís de Seabra. Dizer que o Partido Conservador britânico sempre foi enraizadamente maçónico ou que a Resistência francesa nasceu desse impulso espiritual apenas causa espanto para mentalidades tão intolerantes quanto certa faceta ultra-positivista e neojacobina da história maçónica, a que queria “enforcar o último papa nas tripas do último padre”. Porque os maçons, em termos de opção política, correm todo o espaço dos arcos democráticos que defendem as sociedades livres e pluralistas.

 

 

 

Temos a ideia de que as nomeações governamentais por vezes têm de respeitar uma espécie de quota maçónica. Esta ideia corresponde à realidade?

Quotas, ao que parece, só para as mulheres e, noutros países multiculturais, para algumas minorias étnicas. Julgo que, por cá, se fôssemos para as quotas, em regime de proporcionalidade, qualquer organizador de governos não poderia desempenhar a sua missão. Quanto ao caso concreto, como não há lei nenhuma que imponha a declaração de crenças íntimas e a liberdade de associação de cada um, porque seria flagrantemente inconstitucional. Logo, resta a teoria da conspiração, a que se têm rendido algumas forças neocatolaicas, no habitual confronto do pluralismo eclesiástico...

 

É conhecida a posição da Igreja em relação à Maçonaria, sobretudo à sua atitude de secretismo. A Igreja sempre olhou de forma desconfiada para as relações crescentes entre o poder político e a Maçonaria e coloca em causa o poder democrático que é transferido do povo para mão alheia. Como se pode interpretar estas posições?

Julgo que a maçonaria é tão secreta quanto os conclaves e as conferências episcopais das várias igrejas. No caso concreto da Igreja Católica, talvez seja importante recordar que desde 1891, os católicos abandonaram a classificação de heresia para os demoliberais e a doutrina social católica obrigou a uma mudança profunda. Seria também correcto que alguns católicos, que parecem querer fundar um eventual partido antimaçónico, como já aconteceu há centenas de anos nos Estados Unidos, reparassem na pluralidade dos universos maçónicos, dado que eles não se confundem com o ateísmo, o agnosticismo ou o panteísmo.

 

5. Qual a importância da Maçonaria, no caso, em Portugal? Ou seja, que mais-valias pode ela dar à sociedade e ao desenvolvimento do País?

Julgo que Portugal tem urgência no renascimento de importantes forças morais e espirituais que marcaram a tradição portuguesa, até na tradição do altruísmo e da filantropia. A história da maçonaria e a história dos católicos portugueses impõem que eles regressem aos momentos altos de refundação nacional, como aconteceu com o lançamento do nosso mais recente regime democrático, onde, em todos os principais partidos, conviveram altos membros da Igreja Católica e da Maçonaria, todos impedindo o regresso a um confronto entre a política e a religião, ao contrário do que sucedeu em certas fases da I República e com o salazarismo, onde a persiganga mútua foi má para o povo. Nestes tempos de crise, a restauração de uma política de valores impõe que não se recrie um ambiente propício à incompreensão entre o humanismo cristão e o humanismo laico, cuja aliança é, aliás, a matriz do recente projecto europeu, nascido do combate aos totalitarismos. Basta que haja compreensão pelas diferenças e honesta intenção de homens de boa vontade, mesmo que ambas as famílias de valores reconheçam erros passados, de confrontos que, quase sempre, levaram à vitória de inimigos comuns.

 

publicado por José Adelino Maltez às 23:15

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Biografia
Bem mais de meio século de vida; quarenta e dois anos de universidade pública portuguesa; outros tantos de escrita pública no combate de ideias; professor há mais de trinta e cinco e tal; expulso da universidade como estudante; processado como catedrático pelo exercício da palavra em jornais e blogues. Ainda espera que neste reino por cumprir se restaure a república
Invocação
Como dizia mestre Herculano, ao definir o essencial de um liberal: "Há uma cousa em que supponho que ate os meus mais entranhaveis inimigos me fazem justiça; e é que não costumo calar nem attenuar as proprias opiniões onde e quando, por dever moral ou juridico, tenho de manifestá-las"......
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