Na sua opinião, qual a dimensão política que este pode ter, sobretudo tem em visto que estamos apenas no início do ano eleitoral?
Pouco a pouco, os sinais de verdade começam a aparecer à superfície desta tempestade, não tanto num copo de água, mas sobre a água gaseificada de pantanosos tabus, plenos de trapalhadas. Sobre o caso que nos encharca, por mim, com os dados disponíveis, não quero confundir a folha de árvore com a floresta, tentando não alinhar na onda da moda e, se tenho a convicção que Sócrates, no plano pessoal, não beneficiou directa ou indirectamente com nada, mantenho o meu juízo de cidadão sobre a presente governação: continuo a considerá-la tão negativa quanto aquela que a antecedeu. Por outras palavras, as agências de propagandismo governamentalistas e as contras-agências de bota abaixo apenas nos ajudam a afundar, quando precisávamos de uma rota para um qualquer porto-seguro e não de uma qualquer ilha da utopia.
Os partidos políticos (com excepção do BE, que já pediu “explicações políticas” ao PM) têm evitado pronunciar-se e “aproveitar” politicamente as suspeitas que envolvem José Sócrates neste caso. Por que é que isto acontece, em contraponto com “aproveitamentos políticos” no passado com outros casos?
É evidente que o PS, que comandou o situacionismo em dez dos últimos treze anos, é tão responsável quanto o PSD, o do cavaquismo, de quem recebemos a pesada herança de uma oportunidade perdida que também durou cerca de uma década. Isto é, PS e PSD, mesmo que se vistam e revistam de canhotos ou endireitas, não conseguiram livrar-se do cinzentismo bonzo das respectivas teias clientelares e nepotistas, bem como da consequente ditadura da incompetência, dado que não praticaram a meritocracia.
Quase um quarto de século de bloco central de interesses é tempo demais e quem tem culpa é o povão que acaba por escolher os governos que assim merecemos. Mesmo assim, torna-se urgente a mudança, no sentido de um novo contrato social que, mantendo o regime, remeta este situacionismo partidocrático para os tempos daquilo que chamávamos a outra senhora. Por mim, sem acreditar em falsos providencialismos, incluindo a pretensa república de polícias e magistrados, ou em pretensas ideologias salvíficas, resta-me pedir uma coisa bem mais simples.
As lideranças partidocráticas que temos deveriam pedir ao presidente da república um programa mínimo de regeneração políticas, social e moral do Portugal que resta, para que possamos, em consenso, lutar contra o indiferentismo e a corrupção, que estão a minar a democracia e a confiança pública. É imprescindível que a comunidade, ou república, volte a penetrar pelo civismo nas cúpulas capitaleiras dos aparelhos de poder do estado a que chegámos.
Na hipótese provável de o processo na Justiça se arrastar até às eleições, o desgaste mediático do chefe de governo pode acentuar-se. Em caso de antecipação das legislativas, este efeito negativo pode ser atenuado?
Se continuarmos a lavar as mãos como Pilatos ou carpideiras hipócritas, tecendo loas à licitude formal do Estado de Legalidade, tanto o direito como a políticas perderão o norte, tal como a democracia pode perder o povo, para que a partidocracia continue a apodrecer pelo estadão. Por mim, não quero um Estado sem coisa pública, sem república, ou comunidade e, muito menos, uma democracia usurpada, longe do povo e, eventualmente, contra o povo.
Como é que o eleitorado reage normalmente a estes casos na Justiça envolvendo políticos, tende a castigá-los ou a entender estes casos como uma “cabala”? Por exemplo, a nível local, Isaltino Morais ou Fátima Felgueiras conseguiram a eleição estando envolvidos em casos com contornos mais esclarecidos...
Ai de nós se o caso Freeport tivesse, para Sócrates, a dimensão de responsabilidade dos casos que cita... Seria o fim do regime, decretado pela cooperação judiciária europeia. Não comparo os dados, mas comparo o mesmo subsolo de um sistema que está a amarfanhar o regime, onde, à maneira de Guizot, conforme a descrição de Victor Hugo, há incorruptíveis que gerem corruptos. E até acrescento, há desonestos que recrutam ajudantes honestos, para que a confusão faça com que o justo pague pelo pecador.
O Presidente da República deve manter-se à margem do caso e da informação que vai saindo na imprensa, sem reagir?
Ele não pode ser o justiceiro inconsequente, mas a respectiva actuação de poder moderador deveria ser solicitada pelos principais partidos portugueses, para que todos eles não sejam, todos eles, os coveiros do regime. Deveríamos virar de página e impedir que gente honesta que há, maioritariamente, na governança e na oposição, possa servir a república, sem pisar terreno lodoso...