Registo de algumas análises, farpas e aforismos no Facebook de José Adelino Maltez

27
Fev 09

 

Adelino Maltez, politólogo e Professor Catedrático do ISCPS:

«Portugal corre o risco de caminhar para a bancarrota»

 

«O principal inimigo dos actuais partidos é a corrupção»

 

«Continuo a não entender porque é que as instituições políticas portuguesas, sobretudo, o Parlamento, o Governo e os tribunais não batem à porta do Palácio de Belém e não fazem uma espécie de novo Pacto Social contra a corrupção e o indiferentismo

 

«O País precisa de se regenerar, de deitar fora o que está podre e de voltar a ter a seiva da árvore da Pátria»

 

 

«O europeísmo do Primeiro-Ministro está com falta de crença»

 

 

Ana Clara

 

 

O DIABO — Qual é a radiografia que traça actualmente do País?

ADELINO MALTEZ — Acredito que o Mundo está melhor e, por isso, acredito que Portugal também melhorou. Só que uma coisa são as altas expectativas que nos deram e, outra, é o falhanço dessas expectativas. E, nesse aspecto, o Governo de Sócrates, que era de facto uma novidade — já que tínhamos experimentado a maioria absoluta de Cavaco mas ainda não tínhamos tido uma maioria absoluta do PS — acabou por falhar redondamente a sua própria boa intenção.

Qual era a boa intenção e onde é que o Governo falhou?

A boa intenção era o Fórum «Novas Fronteiras», com a ideia de que o PS representava o Bloco Central sem necessidade de coligação. E até era um Bloco Central alargado porque tinha como ministro dos Negócios Estrangeiros o fundador do CDS (Freitas do Amaral). Lembro-me do primeiro elogio de do Prof. Freitas do Amaral, enquanto ministro, dizendo que este era o Governo que tinha mais catedráticos na História de Portugal… Só que esta intenção que Sócrates tentou concretizar — e depois da eleição de Cavaco Silva para Belém o estado de graça até parecia reforçar-se com uma cooperação institucional de grande qualidade — acabou por passar, tal como passou o tempo das vacas gordas e entramos, agora, no realismo das vacas magras. Ainda por cima com uma crise internacional deste gabarito.

Mas antes da crise havia o discurso do ímpeto reformista do Governo.

Mas isso foi o discurso de justificação de poder.

Mas todos esses anúncios não passaram de intenções cosméticas ou, de facto, houve reformas de fundo?

Havia ali boas intenções de que o Inferno e a política estão cheios. E podemos ir a casos concretos.

 

«Reforma do Estado foi um falhanço»

 

Tais como?

 

Podemos ir à bandeira da reforma do Estado, que foi um falhanço completo porque era uma espécie de fotocópia abstracta que servia para tudo. A única reforma que começou por resultar foi, de certo modo, o controle do défice mas, com a crise, ficou uma espécie de amargo de cinto apertado. Porque a crise, além de ser uma crise global, foi um revelador da crise interna, que andava escondida pelo discurso demagógico e pela engenharia dos subsídios europeus. Aí está o exemplo de uma reforma completamente falhada — o caso do PRACE — e de uma reforma que começou a resultar mas que se perdeu porque «tudo o vento da crise global levou». E voltamos aquilo que sempre fomos, de uma fragilidade estrutural enorme.

E que está à vista.

Sim, a crise foi, sobretudo, no nosso caso, — até porque não tínhamos lixo tóxico nem tínhamos crise de «subprime» — um revelador ou sismógrafo que registou aquilo  que já cá estava dentro e ela ainda não foi torneada pelo voluntarismo das boas intenções de Sócrates. Dou outro exemplo. O Tratado de Lisboa.

 

O Tratado de Lisboa, com esta crise, está desactualizado?

 

Não, o europeísmo do Primeiro-Ministro é que está com falta de crença porque, para tão altos desígnios da sua política internacional, ele preferiu ir fazer um discurso de palanque para o Congresso do PS e não ir à Cimeira Europeia do passado fim-de-semana. Tirando a ironia, o que está em cima da mesa de gravíssimo, no plano da política europeia, é que houve previamente uma pré-Cimeira ou uma falsa Cimeira, a dos membros da União Europeia em que participam no chamados G20.

 

Falsa porquê?

 

Porque a formal e institucional Cimeira esteve totalmente condicionada pela meia dúzia de membros da UE que fazem parte do grupo dos mais ricos do mundo, os que têm mais de 90% do produto planetário (França, Alemanha, Reino Unido, Itália, Holanda e Espanha). Regressaram claramente à Europa do Congresso de Viena de 1815. E dividiram os membros da UE nas grandes potências do dinheiro, as que são os membros do G20, e os Estados secundários, os que vão a reboque das grandes potências. Ou seja, voltámos claramente à hierarquia das potências,  sem qualquer espécie de vergonha. Isto é a negação total do sonho do projecto europeu e da lei constitucional mínima da fundação da Europa que está a ser rasgada pelas grandes. Isto é dramático e Sócrates não tem culpa disso.

 

 

Que consequências resultarão daí?

Esta reunião que Ângela Merkel convocou, condicionou totalmente a Cimeira Europeia em que os outros foram lá para se submeterem aos ditames dos grandes da Europa: dos Berlusconis’s, dos Sarkozy’s e dos Gordon Brown’s...onde outro é o “porreiro, pá!”

 

 

A resposta internacional para esta crise acaba por cair em saco roto?

 

Não digo que caia em saco roto porque o saco dos G20 não anda roto, anda sempre a roubar. Cai é na impotência de países com a nossa dimensão que, neste momento, fazem o discurso mais mentiroso da política — que é o que faz o Eng.º José Sócrates e grande parte da Oposição.

 

E que discurso é esse?

É dizer que o Estado é necessário. Mas eu pergunto: qual Estado? O Estado do Marquês de Pombal? O do Fontes Pereira de Melo? O do Salazar? Nenhum deles já existe.

 

E que Estado existe então em Portugal?

É o Estado da Quimonda. Qual é o Estado que diz que tem milhões para dar à Quimonda mas depois vem o discurso da culpa ser dos alemães, que não deram nada e estragaram tudo. O que precisamos, neste sistema de relações económicas e financeiras globais, é de um Estado. Não o velho Estado nacional mas um reforço das regras globais e das regras da União Europeia. Neste momento o que nos faz falta é um Estado europeu, não copiando o velho modelo dos Estados nacionais, mas com uma intervenção de regras para pôr na ordem este capitalismo internacional desregrado que nos destruiu. Precisávamos de uma Organização Mundial do Comércio, como precisávamos de formas de controlo do comércio justo a nível mundial e europeu. Neste momento a principal razão da crise que vivemos não é José Sócrates é, sobretudo, o vazio da Europa, o que é contrário aos princípios fundamentais que deram origem a este belo esforço com a UE. Nesse aspecto continuo perfeitamente europeísta e adepto daquilo que é a necessidade de regrar este sistema internacional. O capitalismo liberal é o único, até agora, que cumpriu regras e tem condições para ultrapassar a crise, não é o regresso aos proteccionismos e mercantilismos estadualistas que agravarão o problema. O problema é global e só poder ter uma resposta de instauração de um político global e europeu, de um Estado-anti-estado que assuma formas de república universal ou de um Estado de Direito universal, de uma instância a que os médios e pequenos Estados possam recorrer contra os abusos das grandes potências. O que nos falta é a existência de uma certa supraestadualidade quer europeia, quer global.

 

Que consequências é que esta injecção de capital dos Estados nos mercados financeiros vai provocar no futuro?

 

Os velhos Estados nacionais são pequenos demais para este grande problema da crise. Nem os EUA, de forma isolacionista, têm suficiente força, porque só uma federação global de boas vontades a nível de um político mundial é que é capaz de enfrentar os grandes problemas do nosso tempo. Porque até os grandes Estados são pequenos demais perante esta crise. Como dizia Daniel Bell. O problema é que os velhos Estados mantêm o reflexo condicionado para serem grandes demais para os problemas pequenos do quotidiano. É o que está a acontecer com José Sócrates.

 

«A força banco-burocrática»

 

Em que aspecto?

 

Se Sócrates não tem força para resolver a Quimonda, eis que, curiosamente, quando o Estado demonstra a sua impotência para a crise global logo começa a ser grande demais para os pequenos problemas do quotidiano não libertando a sociedade civil. Crescem os sinais de exibição de autoritarismo do aparelho de poder e não há um esforço de melhor Estado e mais sociedade, mantendo-se a asfixia da autonomia da sociedade civil. Veja-se como, neste século XXI, ainda continua verdadeira a precaução que Antero de Quental tinha contra a força banco-burocrática — é isto que mandaem Portugal. Veja-secomo ainda mantemos um centralismo capitaleirista, como ainda se mantém algum imobilismo das forças da inércia do “estado a que chegámos”. Sócrates é o principal conservador do que está. Apesar de ser socialista e dizer que defende o progresso ele é conservador do estado a que chegámos.

 

E em ano de eleições, Sócrates está refém deste estado de coisas e da crise?

 

Acho que ele próprio, ao não alterar estas regras da inércia que nos costumam imobilizar, percebeu que nós vivemos numa crise moral porque a única moral que impera é, como alguém dizia, a moral do «sapateiro de Braga», a do “ou há moralidade, ou comem todos”. Vivemos naquilo a que se chamava na I República a ditadura da incompetência. Isto é, perdemos o impulso daquilo que foi uma jovem democracia que nos fez regenerar e a criatividade do que chamávamos o Estado de Direito democrático. No fundo,  a chamada racionalidade normativa da política. Estamos a assistir a uma espécie de suspensão da política e a um regresso a formas de legitimidade pré-políticas, como são as legitimidades do patrimonialismo neofeudal. Isto é, acaba-se a política — que é a praça pública, com regras — e voltamos à «casa». E a casa — «domus» em romano — tinha um chefe, o “dominus”, de onde veio o nosso “dono”. E o que está a acontecer é uma espécie de regresso dos velhos donos do poder que se adaptaram às manhas de 30 anos de democracia e estão a tentar usurpar a democracia voltando a mostrar o poder nu e cru das forças vivas. Neste momento são eles que dominam, por exemplo, esta subsidiocracia desta engenharia dos subsídios, eles próprios até já têm os seres que costumam aparecer em épocas de decadência que são aquilo que Gilberto Freire chamava os intelectuários — uma síntese de intelectuais com serventuários e que montaram uma rede neofeudal que quase destrói a política. Veja-se o que está a ser revelado por estas crises de três bancos que mostraram a face oculta dos efectivos atentados à legitimidade racional normativa do Estado de Direito.

 

Vivemos numa espécie de centralismo democrático?

 

Não, não vivemos em centralismo democrático. Nós estamos neste momento a denunciar esta situação. E a liberdade de expressão, se não for condicionada por processos disciplinares e directivas do senhor director ou do senhor presidente, estáem dialéctica. Istoé uma democracia que tem que ouvir as verdades.

 

Mas às vezes não gosta de as ouvir.

 

Mas tem de as ouvir. Há um momento da História de Portugal muito parecido com este que foi o «fontismo». Não eram auto-estradas mas eram caminhos-de-ferro. E o «fontismo», perdido o impulso regenerador inicial, acabou por nos conduzir à bancarrota.

 

Corremos o risco de caminhar para a bancarrota?

Corremos.

 

Mesmo na União Europeia.

 

Claro. Basta ver as análises de João Salgueiro ou de Medina Carreira, cada um no seu estilo, que êm feito as contas e têm demonstrado o que é este endividamento externo. E quanto mais endividados estamos, mais novos-ricos aparecem. E estes são os chamados devoristas. E o povo às vezes gosta dos devoristas.

 

Há forças sociais capazes de travar esta tendência que vivemos?

 

A Pátria vai resistir. As nossas decadências costumam ser longas. Mas o País acaba sempre por se regenerar, de deitar fora o que está podre e de voltar a ter a seiva da árvore da Pátria. Mas para isso é preciso trabalhar. E o grande problema, muitas vezes da política, é que nós vamos para a solução mais fácil, que é o imediatismo. Não gostamos do que temos e votamos no mal menor.

O que está em causa é que entre o que está e as alternativas que nos oferecem há muita semelhança. Sócrates, por exemplo, é da mesma cepa que Santana e Portas.

 

E é da mesma cepa que Manuela Ferreira Leite?

 

Não. Quando ela falar podemos fazer mais comparações mas o silêncio dela custa a quebrar. Temos aqui um problema de regeneração global não é apenas tirar este e pôr aquele.

 

E esse problema de regeneração ainda não será resolvido nestas legislativas?

 

Não acredito porque com o crescendo da corrupção, pelo menos, da percepção da corrupção, com o aumento do indiferentismo e com a crise internacional da geo-finança, continuo a não entender porque é que as instituições políticas portuguesas, sobretudo, o Parlamento, o Governo e os tribunais não batem à porta do Palácio de Belém e não fazem uma espécie de novo Pacto Social contra a corrupção e o indiferentismo.

 

Uma espécie de União Nacional.

 

Não. Pergunto se os partidos não têm o bom senso de pedir ao Presidente da República para que todos se libertem dos seus principais inimigos.

 

Que são?

 

O principal inimigo dos actuais partidos é a corrupção. Porque a maior parte dos dirigentes partidários portugueses são pessoas que são capazes de dizer o mesmo que eu e vivem arredados numa imagem terrível. Vamos supor que Sócrates não tem nada a ver com estas trapalhadas que insinuam que ele faz parte (caso Freeport). Aconteceu-lhe a ele o que pode acontecer a todos os líderes partidários se não perceberem os movimentos profundos desta opinião pública e não recuperarem o povo para a democracia. De outra maneira criamos uma democracia eventualmente sem povo. As eleições, neste ambiente, poderão conduzir a uma maioria relativa, provavelmente do PS, ou do PSD, se Manuela Ferreira Leite, depois deste caminho pela verdade e pela província, recuperar a imagem. Mas qualquer um deles é demasiado fraco para resolver os grandes problemas que temos neste momento. Acho que esta crise aponta para um governo de emergência nacional com um prazo curtíssimo para criarmos o tal Pacto Social. E não excluo neste Governo, para não reeditarmos o bloco central, o CDS e o PCP.

 

«A crise exige uma atitude de coragem»

 

Mas isso será difícil de acontecer?

 

Dificílimo mas a crise exige uma atitude de coragem, com os partidos e o PR, em conjunto.

 

Voltando a Manuela Ferreira Leite. Como acha que os portugueses olham para ela?

 

Não sei. Vamos a ver o que vai dar o investimento que ela está a fazer num conjunto de perspectivas contrárias às medidas que o Governo tomou e, aí, ela tem sido de alguma coerência. Num ano tão quente como este, não a vejo a atingir a maioria absoluta. Coloco a hipótese de maioria relativa tanto para o PS como para o PSD. E logicamente com Manuela Ferreira Leite. Não está excluído esse cenário. A líder do PSD não é uma amadora destas coisas. Mas acho que há aí muita propaganda que a quer matar antes de ela ir a terreno. Se o Primeiro-Ministro aceitasse um debate na televisão, corajoso, com a líder da Oposição, como ela propôs, acho que seria interessante.

 

E o que vai na cabeça do Presidente?

 

O grande livro do Presidente é um livro de planeamentismo  sobre política orçamental. Ele explanou todo o seu pensamento e é muito coerente consigo mesmo. Mas o programa que ele apresentou para Belém foi ultrapassado também pelas circunstâncias.

 

O que seria bom para o País depois destes três actos eleitorais que estão à porta?

 

Já disse que seria bom uma coligação pós-eleitoral ou alargada e mobilizadora da opinião pública. Qualquer vitória absoluta de um partido conduz a uma espiral de decadência sem estado de graça minimamente viável. É isso que algumas democracias, mais fortes e mais ricas que a nossa, fizeram. Portugal não está para Berlusconis’s. Qualquer solução à «Berlusconi», em Portugal, seria uma solução desastrosa.

 

 

Fotos Adelino Maltez — Pasta Adelino Maltez

 

Destaques

 

 

«Neste momento o que nos faz falta é um Estado europeu, não copiando o velho modelo dos Estados nacionais, mas com uma intervenção de regras para pôr na ordem este capitalismo internacional desregrado que nos destruiu»

 

 

«A principal razão da crise que vivemos não é José Sócrates é, sobretudo, o vazio da Europa, e que é contrária aos princípios fundamentais que deram origem a este belo esforço com a UE»

 

 

«A crise global foi um revelador da crise interna que andava escondida pelo discurso demagógico e pela engenharia dos subsídios europeus»

 

 

publicado por José Adelino Maltez às 23:11

18
Fev 09


 

O que é, afinal, um pacto de regime?
A coisa mais próxima está no conceito de partidos do arco constitucional que estabeleceram um mínimo ético consensualizador da Constituição, como foi a nossa, donde derivaram os partidos que passaram pelo governo. Nada tem a ver com a ideia de Bloco Central ou de pactos casuísticos establecidos entre o PS e o PSD a propósito de alguns pacotes legislativos e que acabaram por não ser cumpridos na sua intencionalidade genética. Porque, se até agora havia alguns consensos em matérias de política internacional e de defesa, as circunstâncias excepcionais em que vivemos já não conseguem a restauração de qualquer resistência, como foram a governação FMI com o governo PS/CDS ou o acordo pós-eleitoral de Mário Soares e Mota Pinto. Hoje, um verdadeiro pacto de regime teria de ser uma espécie de refundação do regime e, eventualmente, teria de ir além do PS e do PSD, dado implicar acordo com o Presidente da República e com outros partidos que o quisessem assumir, como seria o CDS e até o próprio PCP, se assumisse a defesa da democracia pluralista e abandonasse, nem que fosse provisoriamente, o revolucionarismo.

 

Para que serveria ele nas circunstâncias actuais?
Serviria para acabar com este sistema, reforçando o regime.

 

A avançar esta ideia de maior entendimento entre PS e PSD, quais os temas e áreas prioritárias em que deveria haver um acordo?
Hoje, a questão é novamente a nova questão social e uma série de medidas de estado de excepção quanto à economia e as finanças, desde que se abandonasse a tolice ideológica que não compreende que quem fundou o Estado Moderno também fundou o mercado e o capitalismo, ao contrário do que dizem certos preconceitos que não leram Thomas Hobbes nem o Leviathan, o verdadeiro marxismo da burguesia, onde o soberanismo se aliou ao individualismo possessivo.

 

Quem ganharia ou perderia, na actual conjuntura política (ano de eleições, força de ambas as lideranças, indicadores das sondagens, etc.), com este pacto?
Ganharíamos todos com um pacto de regime alargado. Perderemos todos, mesmo que um dos partidos do Bloco Central venha a ter a ilusão de vencer as eleições, porque no “day after” conluirá, como Fernando Pessoa, que “vencer é ser vencido”.

 

No caso de se concretizarem mesmo os acordos, que papel ficaria reservado para o CDS e para os partidos de esquerda, PCP e Bloco de Esquerda?
Julgo que deve haver um entendimento genérico entre as duas fontes da nossa legitimidade democrática, baseadas no sufrágio universal: o Presidente da República, sem presidencialismo, e o Parlamento, sem primado do executivo governamentalista nem partidocracia. Aliás, até deveria o pacto ser alargado aos poderes regionais e autárquicos, reforçando uma espécie de federação de salvação democrática.
 
 

publicado por José Adelino Maltez às 23:03

14
Fev 09

O PS, repetindo o modelo do CDS, acabou de transformar um acto eleitoral em mero plebiscito, onde só faltou que as abstenções contassem como votos a favor de uma personalização de poder. Com efeito, este excesso de democracia formal do neobonapartismo dificilmente poderá enquadrar-se no conceito onusiano de “fair and free elections” e se os observadores internacionais aqui viessem teriam de reconhecer as faltas de pluralismo, debate e igualdade de oportunidades que começam a marcar a nossa partidocracia situacionista e oposicionista.

 

Por outras palavras, também é abuso aquilo que Montesquieu dizia do pretenso excesso de virtude. Porque este exagero de directas, ao transformar-se numa caricatura plebiscitária, pode matar a democracia real. Corremos assim o risco de entrarmos numa zona subpolítica, porque, sendo a "polis" o mesmo que "urbs", a autarquização do centro do Estado equivale a uma degenerescência suburbana. E a “consciência tranquila” só precisa de propaganda populista para nos enredar nos malhões de Felgueiras, Gondomar ou Oeiras, bem à imagem e semelhança daquele “bailinho” da Madeira que o PS clamava como défice democrático. Quem tem o palanque do situacionismo oficial, ou oficioso, e o controlo da “mesa do orçamento” pode correr o risco de confundir o monopólio da palavra com aquele concentracionarismo, onde “vencer”, como dizia Fernando Pessoa, pode equivaler a “ser vencido”, com os posteriores “tabus e pântanos”... 

publicado por José Adelino Maltez às 22:54

12
Fev 09

Em 2050, continuaremos a dizer que a poesia é mais verdadeira do que a história

Por José Adelino Maltez

 

Pedem-me que ficcione como será o mundo depois de eu já cá não estar, no ano de 2050 depois de Cristo. Sem qualquer cedência ao cientificismo, chame-se futurologia ou prospectiva, começo por imaginar que a própria medida do tempo pode já não ter como marco esse messias, justamente maioritário, aqui e agora.

Porque outro o pode superar em plenitude e vulgatas, com a emergência de novas aparições, ou com eventuais encontros com extraterrestres, se a escatologia e a ciência o permitirem.

Mas talvez ainda permaneçam homens de boa vontade que sejam homens livres, se o conceito individualista, nascido das luzes do Mediterrâneo, berço do estoicismo, do judaísmo, do cristianismo e do islamismo, resistir, face aos totalitarismos grupais e aos respectivos fundamentalismos.

Por mim, julgo que deixará de haver esta ficção de declararmos hipocritamente a existência de uma democracia universal, apenas permanecendo algumas democracias, as que ascenderam ao universal pela diferença, assentando no “small is beutiful” da velha “polis” e dos reinos medievais, donde  veio o conceito romântico de nação, sempre em conflito com a herança absolutista da estadualidade.

Embora a esperança de uma paz perpétua, à Kant, com a sua ideia de Estado de Direito universal, ainda possa permanecer nalgumas instituições, desde a herdeira da Sociedade das Nações à união europeia, julgo que continuará a ser projecto a procura da realização do sonho dos homens de boa vontade, tentando juntar, contra a intolerância, os humanismos, cristãos e laicos, os que nos deram a revolução atlântica demoliberal, da revolução inglesa à revolução norte-americana.

Se não imagino uma utopia dos “amanhãs que cantam”, à procura de uma dessas revoluções de terror, que encontrem o totalitarismo de um qualquer aparelho de poder pretensamente iluminado, nem por isso deixo de assumir a esperança, vislumbrando as sementes de bem e de mundo melhor que a humanidade tem acolhido.

Em 2050, quando os meus netos forem pais e avós, julgo que eles estarão em convalescença, depois de terem sofrido novas investidas dos velhos cavaleiros do apocalipse, como novas fomes, novas pestes e novas guerras, e com os consequentes rastos de autoritarismos e totalitarismos, os tais sintomas das causas que costumam acompanhar essas degenerescências.

Isto é, acredito que, depois de inevitáveis quedas, os homens concretos e o homem de sempre estarão, mais uma vez, a levantar-se, com novas frases que pensam salvar a humanidade, mas ainda sem conseguirem a salvação do mundo, essa procura da perfeição que marca sempre o homem imperfeito.

Continuará por fazer a obra da “política” que, desde Péricles, sempre teve como sinónimo a “democracia”, mesmo que tivesse, ou venha a ter, um novo nome. Por isso, os meus filhos e os meus neto continuarão a ler Platão, Cristo, Buda, Confúcio, Maomé e Rousseau, bem como um desses pensadores de hoje que deconheço, mas que, de certeza, já escreveu a nova inspiração do amanhã.

Porque não são os teóricos do processo histórico que fazem o homem. Será o homem a fazer a história, mas sem saber que história irá fazer. Porque ela não é causa, mas consequência. Depende das acções dos homens e não das respectivas intenções e planeamentos. Por outras palavras, continuaremos a dizer que a poesia é mais verdadeira do que a história...

publicado por José Adelino Maltez às 22:58

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Bem mais de meio século de vida; quarenta e dois anos de universidade pública portuguesa; outros tantos de escrita pública no combate de ideias; professor há mais de trinta e cinco e tal; expulso da universidade como estudante; processado como catedrático pelo exercício da palavra em jornais e blogues. Ainda espera que neste reino por cumprir se restaure a república
Invocação
Como dizia mestre Herculano, ao definir o essencial de um liberal: "Há uma cousa em que supponho que ate os meus mais entranhaveis inimigos me fazem justiça; e é que não costumo calar nem attenuar as proprias opiniões onde e quando, por dever moral ou juridico, tenho de manifestá-las"......
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