Registo de algumas análises, farpas e aforismos no Facebook de José Adelino Maltez

30
Jul 09

No programa do PS há poucos objectivos com objectivos mensuráveis, ao contrário do que aconteceu em 2005, em que havia metas objectivas para o crescimento e o emprego, por exemplo. Deviam as propostas socialistas ser mais mensuráveis? O que perde e o que ganha Sócrates com esta opção?

Todos sabem que os problemas económicos apenas se resolvem com medidas económicas, mas não apenas com medidas económicas. E hoje, depois do imprevisível da crise global, tornou-se evidente que a economia está totalmente dependente do “input” político, tanto da política global, como da europeia e da nacional. Logo, para haver mensurabilidade na economia, tinha que poder medir-se a política e algumas medidas tomadas ou por tomar. Por exemplo, quanto custou o discurso do gato por lebre de Cavaco sobre a euforia bolsista, ou qual o impacto da invocação da campanha negra, no caso Freeport, por Sócrates?

Há quem leia as promessas de maiores apoios sociais a várias classes desfavorecidas (criação de um novo apoio público para reduzir riscos pobreza em famílias trabalhadores com filhos a cargo; pessoas com deficiência com incapacidade para trabalhar; acesso ao subsídio de desemprego para jovens sem carreira contributiva) como uma reaproximação à esquerda em tempo eleitoral. Que efeito é que estas promessas têm no eleitorado, é sensível a estas promessas? Que efeito também na votação dos partidos à esquerda do PS?

Hoje, em Portugal, não há esquerda nem direita, mas como no tempo da Primeira República, uma maioria situacionista de bonzos, incluindo PS e PSD, e franjas sistémicas de endireitas e canhotos. O PS costuma invocar a esquerda em campanha eleitoral, mas quando chega o governo põe sempre o socialismo na gaveta. Até Sócrates já disse recentemente, em discurso para empresários, que há que pôr o pragmatismo acima da ideologia.

O programa de governo do PSD, cuja apresentação foi adiada para final de Agosto, não poderia ou poderá vir a apresentar estes mesmos apoios sociais, socorrendo-se da base ideológica da social-democracia?

O PSD é tão bonzo e tão keynesiano quanto o PS e ambos, neste sentido, adoptam a pesada herança do estadão, assumindo uma espécie de salazarismo democrático, porque foi Salazar que lançou em Portugal as bases do Estado-Providência, traduzindo, com meio século de atraso o que Bismarck tinha feito na Alemanha e Napoleão III e a III República de Jules Feery em França…

José Sócrates tem tentado a diferenciação com Ferreira Leite através da alegada dicotomia Estado social (opção do PS) vs. Estado mínimo (opção do PSD). Que percepção é que isto gera em quem vai decidir o seu sentido de voto dentro de pouco tempo? Como é que Ferreira Leite vai responder a isto com a crise ainda “nas ruas” e com Sócrates a insinuar que um governo do PSD os poderá deixar indefesos e sem apoios do Estado?

Estado social foi o nome que Marcello Caetano deu ao Estado Novo que começou por ser conhecido em França, nos finais do século XIX, por Estado Providência e que no pós-guerra britânico se vulgarizou como Welfare State, enquanto em alemão se prefere o Estado de Bem Estar. Trata-se de uma velharia que só onde ainda estão vivas as arqueologias ideológicas tem algum sucesso eleitoral, porque qualquer Medina Carreira demonstra como o Estado de Bem Estar se tornou num pesadelo, isto é, num Estado de Mal Estar que vai empenhando as gerações futuras. Só pode haver justiça distributiva, quando o cofre central consegue recolher os impostos, através da justiça social e só pode haver igualdade quando se consegue tratar desigualmente o desigual. Qualquer liberal que não seja neoliberal, como é maioria dos liberais de hoje, não adopta as teses do anarco-capitalismo de Robert Nozick e do seu Estado Mínimo. Até Adam Smith defendia a justiça distributiva e a justiça social, não reduzindo a igualdade à justiça comutativa, coisa que a doutrina social da Igreja Católica retomou quando se conciliou com a democracia, isto é, a partir de 1891. Pobre PSD, posto por Sócrates no nozickianismo, coisa que é injusta porque Sócrates começou por ser do PSD quando o partido ainda seguia o revisionismo marxista de Bernstein…

Sócrates revelou ontem ter sido pressionado para adiar também a apresentação do seu programa de Governo, com o argumento de que o programa do PS ficaria exposto a todas as críticas enquanto não surgissem os outros. O secretário-geral do PS deveria ter seguido esse conselho ou fez bem em ser o primeiro a avançar? Quais os prós e os contras desta opção? E como avalia as estratégias distintas dos dois maiores partidos no timing para apresentar os programas?

Sócrates não resistiu à tentação de reeditar as tecnocratices do extinto Departamento Central de Planeamento, como era usada no tempo dos governos eanistas, e tratou de pôr em catálogo aquelas boas intenções que costumam acabar no inferno da prática governativa. Em vez de pilotar o futuro, com política, preferiu os chavões politicamente correctos das inevitáveis governanças sem governo e confirmou que não sabe reconhecer que a maioria dos factores de poder já não são apenas nacionais, dado que a nossa independência é cada vez mais gestão das dependências e navegação na interdependência. Logo, precisamos de leme, de GPS, de intuição quanto à navegação pelas estrelas e não de uma pesada barcaça de um plano de fomento, como aquele que os tecnocratas prepararam a Marcelo, na véspera de o meterem numa Chaimite no Largo do Carmo. O tom do programa PS cheira muito a estilo dos tecnocratas dessa época. Parece um relatório de João Salgueiro traduzido em choradinho esquerdista por Lurdes Pintasilgo,  com slogans de António Guterres

publicado por José Adelino Maltez às 22:45

01
Jul 09

A versão portuguesa do americaníssimo “state of the nation” é mais das nossas “traduções em calão” de um politicamente correcto que poderá ser o canto de cisne do socratismo, quando este já proclama que a esperança é sinónimo de, muito estatisticamente, já termos batido no fundo. Foi pena que a quantidade de energia que gastámos com este ciclo político de nova oportunidade perdida tivesse ficado, para sempre, naquela zona do desperdício da entropia, a que os analistas de sistemas chamam lixo. Porque as proclamadas “boas intenções” do pretenso reformismo não passaram do “inferno” de uma navegação à bolina, de um verniz que recobriu a efectiva engrenagem de uma desinstitucionalização em curso, contra as autonomias de professores, magistrados, médicos, militares , igrejas e forças morais tradicionais. Enquanto isto, regressavam os permanecentes “compadres e comadres” do “país oficial”, dependentes da “mesa do orçamento”, com muitos “anjos”, antes da “queda”, procurando “tacho” entre os capatazes e os donos do poder. Porque a competência voltou a ser inferior ao patrimonialismo da compra do poder e da lealdade neofeudal, em nome de doutrinarismos e abstracções, permitindo que a mão longa do ministerialismo de Estado ocupasse a República. Se antes de Sócrates, poderíamos dizer que estava em crise o Estado, mas não a Nação, corremos agora o risco de de perder a própria vontade de sermos independentes.

publicado por José Adelino Maltez às 23:10

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Bem mais de meio século de vida; quarenta e dois anos de universidade pública portuguesa; outros tantos de escrita pública no combate de ideias; professor há mais de trinta e cinco e tal; expulso da universidade como estudante; processado como catedrático pelo exercício da palavra em jornais e blogues. Ainda espera que neste reino por cumprir se restaure a república
Invocação
Como dizia mestre Herculano, ao definir o essencial de um liberal: "Há uma cousa em que supponho que ate os meus mais entranhaveis inimigos me fazem justiça; e é que não costumo calar nem attenuar as proprias opiniões onde e quando, por dever moral ou juridico, tenho de manifestá-las"......
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