As leis orgânicas são o habitual lixo orgânico de qualquer mudança. Devia haver uma lei supra-orgânica que desfizesse a hipótese de qualquer conjuntura se decretar como estrutura. Bastava um conhecimento modesto sobre essas coisas supremas. Ministro vem de "servus ministerialis", escravo do ofício e quer dizer o mesmo que funcionário, oficial ou... vigário. Logo, deixem-se dos contos deste!
Para tanto, era preciso rever o artigo da constituição segundo o qual, cada governo, pelo decreto presidencial de nomeação é que estabelece a estrutura dos ministérios...Não conheço nenhuma proposta de revisão constitucional que alguma vez o tivesse proposto. Daí a sucessão de asneiras...sobre asneiras, para que depois prometam revogar as asneiras e fazerem ainda mias asneiras, com o pagante a bater palmas à expropriação fiscal em que assenta esta coisa de não assumirmos que o Estado não são eles, somos nós!
Querem fazer uma reportagem sobre a quantidade de placas de ministérios que estão guardadas no sótão do Terreiro do Paço? Querem fazer uma lista das sucessivas leis orgânicas publicadas? Querem ter mesmo juizinho? Ou querem agora encomendar a tarefa a meia dúzia de tipos que decretam reformas e reformas sem nunca terem sido ou vivido o conceito de função pública? Quem ganha são os "holdings" privados que vão recrutando nos bons dirigentes da função pública dependentes de verdadeiros loucos que não sabem o que é a máquina nem o espírito da coisa?
Ou pomos fim a este ciclo de ditadura da incompetência ou deixaremos de ser governados por nós... A incompetência é o pior inimigo desta democracia!
Querem saber o que é um reformador vilão? Ponham-no a gerir em plenitude e depois meçam os resultados em dispersões orgânicas, consultadorias e sacanices, com verdadeiros atentados aos mínimos de Estado de Direito. Ainda não perceberam que a nossa Ditadura de quase meio século obedeceu sempre à hipocrisia do Estado de Legalidade? Até os torturadores faziam adequado relatório ao abrigo do regulamento...
Mudar implica mudança de atitude! Não é um problema de fingimento, mas de casca de banana da máquina que só conhecendo a máquina pode desmaquinizar-se, mas por cima...
A legitimidade racional-normativa que deveria ser a do Estado de Direito, segundo Max Weber, nada tem a ver com o chefe, o profeta, o herói ou o demagogo, da legitimidade sultanal; nem com os adeptos, ou os leais, os discípulos, ou seguidores, da legitimidade carismática. Na legitimidade racional-normativa, o valor predominante deveria ser a competência. Mas como já reconhecia o mesmo Weber, uma das formas de legitimidade carismática aparece na democracia de líderes, com um demagogo a aproveitar-se da democracia plebiscitária, surgindo uma legitimidade carismática oculta sob a forma de uma legitimidade que deriva da vontade dos governados.
Por exemplo, na Constituição de 1911, apesar de tanto governo, julgo que mais de meia centena, a estrutura ministerial dependia de lei formal...o que susteve parte da sangria desorganizacional.
Bastava garantir permanência para os habituais ministérios de soberania e dar possibilidade de ministros sem pasta com delegação de competência coordenadora em áreas mais variantes. A França tem utilizado esta técnica. Embora eu preferisse a britânica, a da geometria variável, com respeito pelas designações tradicionais. Infelizmente, poucos sabem que durante séculos a nossa administração era mais próxima do modelo anglo-americano que do modelo francesista...isto é, mais pragmática e mais adequada ao nosso tamanho, onde a capital variava, onde o rei estivesse...
Infelizmente, a ciência de fotocópia e de "copy and paste" dos encartados reformadores da mera tradução em calão tem predominado sobre a verdadeira ciência da administração que não é a minha área. Apenas tive uma aproximação de história das instituições e julgo ter resumido isso no dicionário Alfa de história de Portugal, no verbete "administração pública". Se calhar falo um pedacinho sobre aquilo que outrora meditei. E provei.
Uma vez, lá em governos de outrora, num dos últimos da AD, fui encarregado de reformar certa coisa. Passámos de 120 unidades orgânicas para cerca de 20. Durou seis meses a restrição dos cogumelos. Era um ministério muito parecido a actuais: era o da Agricultura, Comércio e Pescas. Orgulho-me do trabalho feito por uma comissão com um puto (eu) e dois velhos secretários-gerais. Um deles, tarimbeiro, sem ser licenciado em nada, era um paradigma de funcionário, um verdadeiro poeta da função pública, o velho Sacadura. Que saudades!