De que forma é que os recentes desenvolvimentos deste caso – revelação do e-mail em que Fernando Lima teria agido alegadamente “a mando do Presidente” e afastamento agora do assessor a poucos dias das eleições – mancham a reputação política de Cavaco Silva?
Cavaco não é Deus nem Nixon. Os recortes do mais recente enredo apenas devem ser a ponta visível de um mais profundo “iceberg”. Aquilo que agora analisamos é apenas uma procissão que não saiu ainda para a praça pública, até porque deve repugnar a alguns actores politicos a mistura do público e do privado ... As confrarias apenas assomaram, em procissão, aos passos perdidos do Pátio dos Bichos...
Lembra-se de outras alturas no passado (enquanto líder do PSD, primeiro-ministro, candidato presidencial ou Presidente da República) em que a imagem de seriedade de Cavaco Silva tenha sido posta em causa desta maneira? Ou é uma situação nova, uma primeira queda?
Na campanha eleitoral de Fernando Nogueira, Cavaco desmentiu-o publicamente. Nogueira foi derrotado, abandonou a vida política e optou pela actividade bancária.
Já há analistas a falar num processo de ‘impeachment’ (impugnação de mandato). É exagerado ou uma possibilidade em aberto?
Cavaco, até agora, é de uma grande coerência. Um dos políticos mais experimentados que continua a insinuar discursos contra os políticos, mantendo aquela boa propaganda que é a de fazer propaganda, mas fingindo que não faz propaganda.
Este episódio, em que ainda faltará pelo menos uma explicação pública do Presidente no pós-eleições, pode levar Cavaco Silva a não avançar para um segundo mandato em Belém?
Antes dos cenários das recandidaturas, importa saber que governos vamos ter nos próximos dois anos, porque as circunstâncias de crise não permitem que a história se repita. Seria tragédia, antes de ser uma comédia.
Caso resolva candidatar-se às próximas Presidenciais – onde eventualmente poderá enfrentar um candidato consensual à Esquerda – a reeleição de Cavaco Silva fica mais difícil após este caso?
Julgo que as anteriores clivagens de esquerda e de direita irão ser alteradas dramaticamente, a partir do próximo dia 27 de Setembro. Se, em termos eleitorais, se reproduzirem as divisões sociais eurocêntricas de dois terços de uma classe média de remediados (a do Bloco Central) e um terço de excluídos (correspondentes ao BE, PCP e CDS), conforme o dito de Jacques Delors, o equilíbrio do situacionismo entrará em “out of control” e teremos um ciclo de criatividade, com a verdadeira imaginação no poder.
Relativamente ao período eleitoral, o Presidente era apontado até há pouco tempo como um possível garante da estabilidade política, face à fragmentação que as sondagens apontam. Na sequência deste episódio, de que modo é que essa tarefa pode ficar dificultada?
O Presidente não é Deus. Pode pecar e arrepender-se, cair e levantar-se. E precisamos de um bom guardião da Constituição.
Caso se concretizem as estimativas das sondagens – e no cenário do PS ser o partido mais votado mas rejeitar uma coligação com o Bloco; PSD e CDS/PP se entendam e juntos tenham uma percentagem superior aos socialistas – o que fará o Presidente? Essa opção poderá ser agora diferente do que seria antes deste episódio?
Pode não haver coligação entre PS e os partidos não-PSD do hemiciclo. Basta um governo minoritário PS, mesmo que seja sem Sócrates, com dois acordos de entendimento parlamentar com o BE e o PCP em certas questõese muitas cláusulas de salvaguarda. Basta recordar que mesmo o democrata-cristão Andreotti teve um governo apoiado parlamentarmente pelo PCI em plena guerra fria, embora o imediato assassinato de Aldo Moro tenha executado o plano de fundo da “operation chaos”. Aliás, o PSD e o CDS, como secções nacionais da multinacional PPE, estão sem autonomia e teriam de apoiar o PS contra o BE e o PCP em matérias europeias e de segurança global.
O que esperar da relação entre Cavaco Silva e José Sócrates, caso este seja convidado a formar governo? Novamente cooperação institucional no discurso oficial e conflitualidade latente na prática e nas entrelinhas?
Não tarda que voltem ao estado de graça de cooperação estratégica que foi o normal anormal deste ciclo presidencial cavaquista. É mais aquilo que os une do que aquilo que os divide. Temo que o PSD continue a ser espaço de sementeira de eucaliptos providenciais.